segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

fado-vida

Amanhã não existirei mais.Na verdade , sabia que iria sentir muito a sua falta, mas não sabia como seria dificil aproveitar a estadia sem você.Hoje felizmente a chuva e o frio deram um intervalo. Pude viver meu dia burocrático sem pingos gelidos e por isso gozar da cidadezinha.Lisboa é como uma rapariga encantadora. Não é exuberantemente linda, mas tem seus encantos...e que encantos!Verdade é que são muitos anos sonhando com sair do Brasil...quando a pessoa sai não quer mais voltar...voltar para o brasil soa a voltar para trás...Então estou em Lisboa, no quarto da frente do apartamento 01 esquerdo, numero 56 da rua da alegria. Na casa da Andrea. Não é bom estar na casa de uma estranha, como hospede. Isso não é bom. Não é nada bom estar só de morte. Não é nada bom. Onde foram parar os amigos? Onde, onde...longe, longe. Ando a refletir muito (este é um momento de reflexões) sobre a vida que ando vivendo. Sobre minhas escolhas. E tenho vontade de seguir com as linguas estrangeiras. Me especializar em tradução de alguma coisa. Sabe lá. Há tanto para se conhecer.Tenho mais vontade de viajar do que de escrever um grande obra. Perdi a crença no conhecimento. Não me irradia mais um grande horizonte.Ganhei a medida sobre a fraqueza humana que atravessa o homem de forma mais ou menos igual independentemente de tudo: inclusive de sua gradação universitária. Os homens são os homens. Momentos sublimes em meio de um sórdido destino humano.Como mulher, envelheço. E tenho diante de mim a Madonna. Não a do pintor, mas a que segue em turné mundial. Esta, que mantêm-se jovem e que representa tudo que pode o dinheiro fazer pela pele da mulher. E eu? Eu que não sou a Madonna e mesmo se tão rica fosse, me pergunto: Vale essa corrida louca contra a morte? Hoje com trinta, amanhã com 50 e depois a anciã de vida insuspeitada por toda uma juventude em flor a correr em torno da velhota sem horizonte...Esse não é um parágrafo triste. Por que se estiver certa uma senhora opulenta que fica à jacuzzi comigo nas tardes frias de Lisboa "faz a morte parte da vida". Saber viver é saber morrer, saber morrer é saber viver. Mas como viver o intervalo entre o passado e o futuro? Como Viver o episódio da vida como o milagre que é mediante a idéia de que amanhã não existirei mais?Amanhã não existirei mais. Hoje que é o meu dia tive uma ingrata surpresa sobre os planos que fiz até agora. Mas veja lá o que me falta é uma mulher de quarenta e poucos a me puxar as orelhas e dizer-me: tens aí toda a vida pela frente.Mas estou apavorada: amanhã não existirei mais.De outro lado ascena-me uma amiga. E ela mais jovial atualmente que eu do alto dos seus bem vividos quarenta e poucos diz-me que será tão ativa quanto é agora por mais quarenta! O que é a jovialidade então senão um estado de paixão pelo vir a fazer sem a idéia do fim. Sentir-se inatacável pelos anos é uma chave contra os anos.Então ao contrário de mim poderá haver uma velhota que grite pelos seus olhos sob as peles flacidas de suas pupilas: Eu Ainda Estou Viva!!!E que perante a doença e o cansaço e o frio e a música que doa aos seus ouvidos possa dizer ao mundo: eu ainda estou viva!!!Essa velhota quero eu sê-la. Essa garota que teme a morte que espreita seus dias sou eu na manhã dos meus 28 anos.Essa velhota, se eu não for ela sei onde mora. Já há vi.Vi-a entre as pessoas e percebo que a pior coisa de ser velhota e que as pessoas te matam antes de morreres de fato. Deixam de te olhar sem dó ou com o ar arrogante e soberbo da eternidade. Que é a velhota senão os males da idade?Não tem lances incríveis. Só papo de velhota, coisas de ontem que inexistem para a mocidade que é toda horizontes.Lisboa é uma cidade que canta o prejuízo que estima para o seu proprio horizonte.Que fado ? Que fado ? A roda do mundo gira e faz sofrer os homens.Amanhã não existirei mais. É um fado com certeza. Eis a letra, eis a letra.