sábado, 28 de junho de 2008

estrangeiro

Nascida sem nacionalidade, sem sobrenome, sem nada. Nascida menina no mundo que nada tinha de seu. Que somos ao nascer? Uma porciúncula de vida, mais nada. Vingamos devido aos cuidados alheios e a esses chamamos carinho. É devido a esse carinho primordial que vingamos, que nos perpetuamos nesse planeta e, inclusive, construímos civilizações, fronteiras e nacionalidades.
É fato, normalmente quando nascemos logo já recebemos um cadastro civil, tarefa que cabe àqueles maiores que nos geraram a quem, futuramente teremos gratidão pelo que somos e pelo que pudemos também nos tornar. Estes vínculos todos consolidam em nós a familiaridade com as coisas, com o humor das pessoas de nosso bairro, com as leis do nosso país. Assim é e por isso, torcemos na copa do mundo pelo Brasil se nascidos no Brasil formos e cumprimos nossos deveres legais ou se, testemunhamos alguém sofrer qualquer constrangimento da lei deixemos que a mesma siga apoquentando o indivíduo, pois a lei do país e a lei do país e a sua política é como se fosse o seu juízo das coisas.
Contudo, há casos em que o pequeno cresce sem se sentir parte daqueles ritos, daqueles mitos que inculcam no sujeito a forma de ele ser. O sujeito que vive atordoado com o sentimento da inadequação sabe sobre o que escrevo. Talvez ele reconheça na narração os sintomas dessa desavença entre o nascimento e a origem. Duas coisas que deveriam estar ligadas pela mão de Deus, mas que parecem provar que, se Deus há, ele não está implicado nesta operação.
Ermínio, sujeito caucasiano embora descendente de todos os grupos migratórios e naturais do Brasil é um desses que sabe bem o que é ser estrangeiro em terra de que é natural.
Não há um dia para ele em que não lastime sua solidão perante os jogos estaduais e federais, seu exílio em meio ao foguetório das festas juninas e carnavais, e mais ainda seu desconsolo perante o sorriso pacífico dos seus concidadãos em meio às embromações do dia-a-dia. Desde as leis até os ritos populares de escárnio sobre as mesmas lhe são estranhos. É importante sublinharmos: Ermínio não é um cínico, um indiferente, um alheio, um parvo a quem nada nunca diz respeito porque não foi educado para saber que faz parte do mundo. Pelo contrário. Desde cedo, procurou estar a par. Foi líder de turma no ensino básico, vinculado a partidos políticos no Superior, frequentou grupos folclóricos, dançou o boi-bumbá e comeu o acarajé. Enfim, também exercia o pleito. Indignava-se perante o horário político obrigatório e sabia, mesmo sem se interessar, qual o drama da telenovela de maior audiência. Enfim, com tudo isso, ainda assim Ermínio não era parte, não se sentia parte daquela multidão atada espiritualmente por laços línguisticos e constitucionais.
Inconformado, mas indulgente, sabendo que não poderia reivindicar qualquer outra origem (como fazem aqueles cuja sorte na vida lhes poupou a grande tristeza de estarem presos a uma única nacionalidade neste mundo) Ermínio deixou de matutar sobre as fraudes e as paixões nacionais refugiamdo-se na indiferença perante tantos fatos que ignorava, tantas comoções públicas que o aborreciam e tristezas pessoas que guardava diante da ineficácia dos serviços públicos. Era um desertor em terra pátria, um desterrado no exercício da cidadania e ninguém sabia que ele, apesar do exercício pleno de seus deveres de brasileiro, nunca fora nem compartilhara daquela identidade estrangeira.

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