sexta-feira, 18 de julho de 2008

literatura de párar...o tempo

A narrativa tem uma propriedade interessante. Ela reinventa o tempo. A partir da narrativa se pode construir temporalidades diversas e, inclusive, temporalidades lentas ou praticamente estáticas. O primeiro capítulo da obra No caminho de Swann de Marcel Proust nos oferece a oportunidade de conhecer a criação de uma cena praticamente imóvel.
Na atualidade, a imobilidade ou produção da ausência do tempo na literatura torna-se interessante na medida em que nos permite desacelerar a relação com o tempo que é continuamente acelerada pelos meios de comunicação onde somos colocados no em uma espécie de "corrida de acontecimentos". A produção serial de acontecimentos consolida, em nós, a certeza de uma realidade tão fluida e incontrolável que, por vezes, tornamo-nos alheios à informação, vivendo uma rotina de exílio social e até "dessocialização", ou seja, passamos a viver reclusos na atmosfera de nossos dramas diários. tal sintoma da vida ultra-acelerada já fora objeto de reflexão dos principais críticos da modernida. Entre eles, os sensíveis Walter Benjamin e a filósofa Hannah Arendt. Em ambos, a crítica da modernidade se torna uma crítica da história com "H" maiúscula e de sua forma narrativa. Os limites entre crítica política e estética (como reformadora da ética) se tornam exíguos e é possível falarmos até mesmo de uma reflexão epistemológica da historiografia ocidental do século XIX e XX.
Um aspecto interessante das relações entre literatura e história (ambas são indubitavelmente formas narrativas) diz respeito justamente ao fato de terem sido discriminadas em campos totalamente distintos da relação com o mundo. A literatura como ficção era uma representação desconectada da realidade e a história algo que só dizia respeito ao chamado "mundo real".
A linguagem publicitária e a sofisticação da mass média, contudo, embaralhou a distinção entre verdade e propaganda, entre a forma da mensagem e o caráter de seu conteúdo. É bastante geral o modo como, hoje, somos lançados a uma sequência de matérias jornalísticas aliadas de conteúdo propagandístico. Tal simbiose permitiu que problematisássemos as matizes entre o relato de ficção e o da realidade a ponto de percebermos os elos inevitáveis sobre os quais se conectam o mundo real e o mundo imaginado. Por todas estas questões não se trata de uma "bandeira ideológica" pensar as relações entre representação e história, ou literatura e história. De modo geral, é preciso pensar as situações, vê-las na sua permanente dinâmica e o mundo em que vivemos é rico em movimento e na forma como representa e destaca aquilo que nomeia como "fatos".
A literatura proustiana, na contramão do movimento, torna-se subversiva em sua forma narrativa e até mesmo crítica em relação aos valores da burguesia que tão bem apresenta.
É daqueles livros que se tornam importantes por estar calcado em uma premissa estética que reflete a forma pessoal como seu autor refletiu o mundo enquanto representação. Por isso também deva valer a pena ler Proust, mas isso apenas para quem julgue questões como estas relevantes. Outra possibilidade é vermos nele outras questões, mas daí, bem, será realmente necessário ler Proust para antevê-las. Um livro sempre permite que abramos nossos olhos para coisas imateriais e não evidentes.

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